E-books no Brasil: agora é pra valer?

30/09/2013 00:22

E-books no Brasil: agora é pra valer?

 
 
 

A chegada dos novos dispositivos digitais de leitura dá início à popularização do livro eletrônico no país — e isso pode mudar o mercado editorial e a forma como você lê

por Diogo Sponchiato | Ilustração: Otávio Silveira
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Crédito: Otávio Silveira

Vá se acostumando com a tela, ou melhor, com a capa do volume que estampa a abertura desta reportagem. Ela é a fachada dos e-readers, aparelhos concebidos principalmente para comprar e ler livros. Soa até irônico, mas eles foram desenvolvidos na intenção de oferecer o máximo de semelhança com o material que você tem em mãos. E esse é um dos principais atrativos que fazem os leitores digitais conquistarem cada vez mais gente. “Parece papel”, anuncia o slogan do Kobo, e-reader lançado em novembro pela Livraria Cultura, o primeiro do tipo a ser vendido no Brasil por uma rede física de livrarias dando acesso ao seu cardápio de leitura. Na mesma toada, a Amazon, gigante americana do comércio online, anunciou no mês passado sua entrada no país e a venda da sua joia, o e-reader Kindle — nos Estados Unidos, só para você ter uma ideia, houve semanas em que foram vendidos 1 milhão de exemplares.

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O site da Amazon brasileira foi para o ar fornecendo 1,4 milhão de livros digitais, 13 mil deles em português. O principal rival do seu e-reader por aqui é justamente o Kobo, dispositivo de uma empresa canadense com o qual se pode adquirir qualquer um dos 12 mil títulos eletrônicos no nosso idioma à venda na Livraria Cultura. O primeiro desafio a ser vencido por ambos os equipamentos, no entanto, não se resume a um conflito direto: eles precisam driblar a possível resistência dos leitores apegados aos volumes impressos, bem como peculiaridades do nosso mercado. Qualidades não faltam a esses aparelhos fininhos e leves, de tela fosca, letras nítidas e conexão com internet (confira as fichas técnicas no fim da reportagem). Graças a uma tecnologia que permite à plataforma refletir a luz como no papel, a leitura se torna completamente diferente daquela feita no tablet ou no computador.

Os e-readers também se orgulham de permitir que você leve sua biblioteca aonde for. “Com o Kobo é possível guardar até mil livros dentro de um dispositivo cuja bateria dura um mês”, diz Sergio Herz, CEO da Livraria Cultura. Segundo as previsões, esses dispositivos impulsionariam o mercado de e-books por mais dois fatores: o acesso imediato ao livro e o preço, em média, até 30% mais barato em relação à versão em papel. “Embora existam pessoas que mantêm o fetiche com o objeto livro, muito do preconceito deve vir abaixo quando perceberem que se baixa um título em 60 segundos”, observa o consultor editorial Carlo Carrenho, diretor do site Publishnews. Será que os leitores mais velhos ficarão com um pé atrás? Para o executivo da Kobo, Todd Humphrey, não deveriam. E não é só porque o equipamento, de tela touchscreen, é fácil de usar. “Ele pode ser usado por gente de qualquer idade, inclusive porque permite aumentar o tamanho da letra”, diz.

Apesar de os e-readers, particularmente o Kindle, terem revolucionado o mercado editorial dos EUA, aumentando a oferta e demanda por e-books, não é tão simples prever se eles vão bombar nestas terras. “Comparando com os americanos, o brasileiro tem um nível de leitura mais baixo, o que deve refletir na vontade de ter um dispositivo dedicado a livros. É provável que tablets como o iPad sejam priorizados por eles oferecerem outras aplicações além da leitura”, analisa Carrenho. Agora, pra quem curte mergulhar no enredo, sem incômodos à vista, os e-readers parecem valer, sim, o investimento. “Leitura exige introspecção e, no tablet ou computador, somos tentados a todo momento a checar e-mail, tuitar...”, lembra Carrenho.


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Crescer e se reinventar
De acordo com Carlos Eduardo Ernanny, da Xeriph, principal distribuidora de e-books no país, o Brasil dispõe hoje de 15 mil livros digitais em português — 12 mil publicados por editoras e outros 3 mil independentes. “Com os novos dispositivos, o volume de vendas deve aumentar, gerando pressão para que mais títulos eletrônicos sejam publicados, inclusive lançamentos simultâneos”, avalia. “Podemos fechar 2013 com 30 mil livros.” Ainda assim, o número é pequeno se comparado ao mercado de língua inglesa, que bate 1 milhão. O fato é que esse segmento cresce cada vez mais acelerado por aqui, algo que fica claro ao visualizarmos o ritmo de produção das editoras. “Em 2010 lançamos apenas 20 e-books. No ano seguinte, pulamos para 200 e fechamos 2012 chegando a 600”, contabiliza Fábio Uehara, coordenador de negócios digitais da Companhia das Letras. 

Editora Globo A cartada da Livraria Cultura e a entrada da Amazon — além da venda de e-books pela loja virtual do Google — tendem a agilizar essa fase de transição que tem feito os grupos editoriais repensarem a forma de disponibilizar seu conteúdo e coordenar a convivência entre o digital e o impresso. “É um período de experimentação, que abre diversas possibilidades. No e-book é possível, por exemplo, reunir três volumes físicos em um único eletrônico”, diz Mariana Zahar, diretora executiva da Editora Zahar, pioneira no portfólio digital. Há nichos, aliás, que devem sofrer um maior baque com a emergência dos e-books, como obras de referência de direito e medicina. “O livro digital pode ser atualizado, algo que acontece frequentemente nesses casos. Com a versão impressa, você precisa jogar fora a velha e comprar uma nova”, compara Mariana. Na contramão, há casos complexos para transpor à tela. “É possível que livros infantis, cheios de ilustração, não se encaixem no e-reader.

E mesmo na versão para tablets, não basta transferir o texto, é preciso reeditar a obra”, diz Mariana. O preço mais baixo também seduz o leitorado. Nos EUA, a Amazon, ao lançar o Kindle, fez diversas promoções que acabaram arrasando outras livrarias (muitas até fecharam as portas). Tanto os livreiros quando os editores não acreditam que algo nessa proporção ocorra no Brasil. “Não faz sentido abaixar mais do que 30% porque aí se afeta o custo básico de produção do livro”, opina Carrenho. Nada impede, porém, que livros feitos exclusivamente para esse formato custem uma pechincha. Outra vantagem do ecossistema digital é permitir que um livro nasça em curto tempo. 

Carrenho dá o exemplo de uma reportagem recente da revista americana Wired sobre o escândalo envolvendo o criador do antivírus McAfee, que virou e-book no prazo de pouco mais de uma semana.

Se a Amazon virou um fantasma para as livrarias americanas, será que o fenômeno dos e-books não assusta mesmo as brasileiras? “Não encaramos como algo apocalíptico, mas o mercado livreiro terá de se adaptar a esse novo modelo de leitura”, analisa Ednílson Xavier, presidente da Associação Nacional de Livrarias (ANL). Para se sustentar, os estabelecimentos terão de usar e abusar do seu poder de atrair novos e velhos leitores e da sua verve de centro cultural, promovendo mais eventos. 

A ANL lançou inclusive propostas para resguardar o lado dos livreiros, como limitar os descontos no e-book a 30% em relação ao impresso e respeitar um intervalo de quatro meses entre o lançamento do impresso e o digital. “É o mesmo raciocínio dos filmes. Se eles já fossem lançados em DVD, o que aconteceria com os cinemas?”, questiona Xavier. 
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E o brasileiro nessa história?
Pelos dados do último estudo “Retratos da Leitura”, encomendado pelo Instituto Pró-Livro ao Ibope, embora 70% dos brasileiros nunca tenham ouvido falar em livro digital, metade da população que não teve contato com ele acredita que pode vir a usá-lo. Entre a minoria que já leu uma obra numa tela — o que por aqui acontece sobretudo no computador e com versões gratuitas —, mais da metade curtiu a experiência. Os defensores dos e-readers e e-books se fiam na promessa de que eles irão aumentar a disseminação de conhecimento. Será uma tarefa árdua, visto que nossa população lê, em média, quatro livros por ano, incluindo didáticos. “Temos de considerar também que os dispositivos para livros digitais não são baratos e que a internet no país ainda é de baixa qualidade”, diz Karine Pansa, presidente da Câmara Brasileira do Livro. 

A despeito desses entraves, fica a pergunta: com o advento dessa tecnologia, iremos, de fato, ler mais? As estatísticas americanas dizem que sim: enquanto os usuários de e-books leem 24 títulos por ano, os não-usuários ficam nos 15. A questão é saber se leem mesmo as obras de cabo a rabo ou se consideram que comprar e folhear já está valendo. “Vender mais livros não significa aumentar os índices de leitura, mas, sim, a facilidade de acesso. O universo digital tem favorecido muito mais a leitura de textos curtos do que a de livros inteiros”, avalia o historiador Aníbal Bragança, professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense. Quem sabe não serão Kindle, Kobo e seus congêneres, que aliam a degustação visual do papel ao acesso imediato a uma gigantesca biblioteca virtual, os responsáveis por mudar esse hábito?

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